sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Entre quatro palavras

Queria amar, embora amassasse a folha num surto impetuoso de vergonha, ainda quase-boba, recostada sem pressa no banco da praça, olhava as flores, e retomaria a escrita sem desistir, pois só lhe cabiam poemas. Enfiara-se nos sebos da cidade atrás do livro perfeito, um livro só dela. Aquele de capa azul e de beijo de língua quando dado. Um livro com um tesão guardado na página dezessete, um livro com amor calado, num quarto vazio, num vazio capixaba, para servir de inspiração na falta de amor de verdade. Era um amor demasiadamente idealizado diga-se de passagem. Mas convenhamos, o melhor que já leu(ou sentiu, como quiser). A folha do caderno já amassada e marcada de inúmeras tentativas gritava por um começo, apenas um verso. Quem sabe com um verso tudo fluísse, quem sabe com um começo, o final se formasse. Tinha em seu currículo poemas sobre guerras e palhaços, folhas e amassos, todos sempre na terceira pessoa. Já havia escrito, inclusive, um poema sobre o não-amor. Escrevia melhor quando não tinha regras, quando cuspia nas normas, quando parecia brigar com o mundo. Cruel era o destino que não permitia à poetiza amar. Pensava ser uma espécie de fraude literária, afinal que poetiza meia-tigela ela se tornara a ponto de não amar? Não era possível, nem fingir sentir algo a pobre menina conseguia, escrava da própria inexperiência, inocente como ela só. Um suspiro, um começo. Os versos não eram bons, mas eram suficientes. Ficou feliz por ter começado mas sem saber continuar, estatificada. Olhava o papel já meio pintado de grafite com olhar de vazio. A essa altura já pensava em desistir, largar esse tal de amor pra lá. Foi quando uma bala de revólver, um ímpeto silencioso atinge o peito que tentava sentir. Seu corpo baratinava sem saber que tipo de veneno o atingira, que espécie de vilão se vingara. O corpo caído no chão. E o sangue quente e espesso que lhe escorria por debaixo da nuca. Seus olhos estavam abertos, ainda. A pulsação ainda se sentia. Fraca, cada vez mais fraca, mas batia ainda o suficiente para que conseguisse sentir. Sua vontade de viver transbordava pelo canto do olho esquerdo mesmo sem haver ninguém por perto para entender o que aquela alma clamava. As memórias escorriam-lhe pela testa. Ali jaz a poetiza que morrera sem conhecer o amor, privada de romance, em abstinência do primordial dos sentimentos. Na verdade, finalmente entendera o amor. Pois não se escapa do amor, pois o amor mata e morre impiedosamente, e a neutralidade do amor tortura aos poucos. Ali, tentando rimar num banco de praça perdera uma vida de amor, o amor pela vida, um amor de vida. Acabado o assalto na drogaria, o policial já não se impressionava com mais um corpo estendido no chão. Só lamentava a idade da garotinha e se arrepiava ao pensar que ali poderia estar sua menininha. Pegou o caderno manchado de vermelho-sangue e leu tudo que Eliza deixara de herança em voz alta no meio da praça:

Pode amor
só de amor
se construir?
se manter?
se consumir?
Pó de amor,
que se dissolve no vento

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Entre ele e ela

5:45, ria o despertador com escárnio. Olhava o relógio fixamente na esperança de ter tocado na hora errada.É, não aconteceu. Como fermento de bolo ela se levantava a caminho da cozinha. Ainda meio tonta tentava lembrar as fórmulas de calculo enquanto mastigava o pão frio.Não acreditava que tivera a semana pra estudar e a poucas horas da prova nao lembrava de absolutamente nada. É Flávia, você está se tornando mais irresponsável ao passar dos anos, resmungava ela mentalmente. Voltava para o quarto rastejando pela casa em seu calvário matinal. O celular começou a tocar sem cessar. Pensou em nem atender, afinal quem ligaria a essa hora da manhã. Mas sua curiosidade atendeu. Fez questão de fingir voz de sono. Não acreditava que era o marcelo. Só de ouvir esse nome seu corpo tremia. Logo ele ligando a essa hora?Considerando que faziam bem uns três meses que eles não se falavam, era bem possível que algo bem grave tivesse ocorrido.Respirou fundo e retomou a conversa.O tom de voz estava estranho, palavras se misturavam e ele com uma inexplicável vontade súbita e urgente de conversar. Só pode estar bêbado, pensou. E assim combinaram, em 5 minutos na esquina da princesa isabel com nossa senhora de copacabana. Seus pensamentos estavam em alta velocidade num mix de entusiasmo e curiosidade. Colocou a primeira camiseta que puxou do armário junto com a primeira calça que encontrou. Calçou o chinelo e ficou pronta em aproximados dois minutos, o que pra ela era quase um récorde mundial. Desceu as escadas correndo tentando não pensar. Sempre que pensava demais tendia não agir. De longe avistou aquele que torcia para esquecer enquanto olhares tímidos se cruzavam envergonhados. Quando passavam muito tempo sem se ver o ambiente ficava com um clima estranho, tenso. Beijou-o na bochecha mesmo mirando a boca, escutava mesmo sem haver som algum. Num vômito de verdades, ele começava a dizer o que ficara entalado. Agora estava certa de que tinha algo errado.Ele nunca fora de demonstrar sentimentos, nunca falava o que queria sem rodeios, simplesmente deixava a mensagem subentendida. Numa espécie de lavanderia cobrava dela um posicionamento, uma opnião, ou qualquer coisa que transformasse aquele monólogo em conversa. A verdade é que perto dele, seu olhar se perdia, lhe fugiam as palavras e nem mesmo se tivesse ensaiado conseguiria falar o que o coração mandava. Ele despejava as verdades sem piedade, sem se importar com as consequências. Seus olhos eram sempre uma dica do que acontecia por dentro, ja que dificilmente ele falava o que queria, mas naquele dia seu olhar estava distante. De fato a vodka tinha embaralhado as palavras, mas cada vírgula que saia pela boca precisava do incentivo do álcool para sair. Eram mais verdades do que ele poderia suportar sóbrio, era muita intensidade. Ficaram quase uma hora discutindo o porquê do afastamento. Lamentavam o rumo das coisas, mesmo lamentando baixinho. Falou do quanto se importava com ela, de que ele queria mais do que só um caso esquecido. Foi quando ele a puxou pelo braço, algo rápido e sem chances de escape. Beijou-a como quem se despede, lento e profundo. Tudo aquilo que ela sentia cheirava a naftalina e ela queria enterrar de vez, mesmo querendo longe. Sempre fora um fracasso em evita-lo, ainda mais assim, tão apaixonadamente bêbado.E assim despediu-se e pegou um táxi pra faculdade já ciente que repitiria em cálculo. A porta do carro fechou separando tudo que reinava onipotente entre ele e ela, sem passagem de volta. Passaram se as semanas, os meses e nenhum telefonema. Se perguntava porque ele a procurara, certa de que aquilo não passara de um passeio no passado, um sonho relembrado. Não foi por falta de tentar, quer dizer, até foi. Mas ela simplesmente não tinha capacidade, nem maturidade suficiente para agir de outra forma, seu orgulho era maior. O problema era que ele tinha tanta certeza quanto ela que aquilo não ia levar a lugar algum, aquilo não foi feito pra levar a lugar algum. Eram apenas duas pessoas machucadas tentando suprir uma carência que deveriam superar sozinhos. Quando lembro deles só penso no casal que podia ser e não foi, o casal cujo orgulho era maior que o amor que sentiam, o casal que sentia, mesmo sentindo separado.

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Baseado em fatos reais - sempre quis dizer isso hahahah

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Mirante

Hoje vi um mundo cheio de sorrisos sem graça. Vi uns dias cheios de luta e conquista.Vi pessoas, vi poemas, vi compassos, eu vi o céu róseo e azul, meio amarelado. Vi também o tempo correr, sonhos infantis, dias frescos e primaveris.Vi conversa fiada, filosofia barata, cerveja gelada.Vi risos e abraços, amigos e afagos.Vi chuvas fortes e rápidas de verão, vi o caos disfarçado, vi rosas em plutão.Observei a saudade, fruta cítrica, insanidade, musica suave e essa minha vontade. Vi a raiva contida, menina metida, antiga cantiga.Não digo que gostei do que vi, mas eu vi a verdade, manhã de domingo, orgulho escancarado, pássaro assustado, respingo de felicidade.Noite imensa, praia deserta, noite intensa.Vi a sociedade imoral, criança leviana, vida virtual, ferida externa, mendigo com grana, carro de bacana. Vi o céu infinito, vi a rosa, vi o cravo, vi o grito, vi o abismo, vi o rsico, vi joelho dolorido.Vi corações partidos, encontro de amantes, mentira ao pé do ouvido, vi lágrimas, vi dor, bolso em vestido. Vi o mar azul escuro quase preto, vi a luz do luar, estrelas pelo chão.Vi neve natalina, fim de filme, risos contidos, festa de formatura, resmungos de Carolina. Vi anjos, vi demônios, vi o diabo vestir prada. Vi o mundo desabar, navio quebrado, vela queimar, castelo abandonado, guerra começar..quando eu só queria te ter numa noite quente de ar pesado, em que o sol se faz presente, à penumbra prateada da lua cortante.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Thank you for the venom

The pain is here to last,
The pain that I'll feel til' my dying day,
The one that's sick and pale,
The pain that scratches me out,
The pain that kills inside,
The pain that makes me beg for more,
The sweet little pain that reminds me of you,
This fucking pain that cannot get out of my soul,
The one I wish I could hold,
This strange profusion of feelings coming out of my head,
massive,
indiscribable,
invisible,
inconsequential,
undistinguished,
unwise,
uncharted,
unpleasant,
undue,
unequal,
unconditional,
unpardonable,
unfailing,
The taste of anger run through my veins,
Guiding my blood pressure,
Transforming my life into misery.
You told me it would happen,
But, as usual, I couldn't believe you
And you showed me an upper view for the same pain,
An angle that I couldn't see by myself,
Thank you for the venom!

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Acontece que eu tenho mania de pensar em ingles.. escrito em algum dia de 2003
Quem quiser, me pede a tradução depois

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Meticulosamente Bagunçado

Teu gosto sequer é inteiro. Até por isso, uma parte justo da minha curiosidade pelas coisas inacabadas. E não-inteiro que eu digo se assemelha mais a um quebra-cabeças bagunçado do que a um copo se enchendo.Mas na minha ilusão, eu certamente não teria a intenção de arrumar as peças, embora talvez ficasse tentada a encher o copo até a boca só para esvaziá-lo num só trago.Mas eu não quero.O meu prazer está antes em afundar minhas mãos lascivas nas suas peças embaralhadas só pela sensação do toque – como mergulhar a mesma mão num saco de sementes.E se fosse um copo eu venceria meus ímpetos: sugaria um pequeno gole para cuspir de volta em seu rosto bonito. Porque bagunçar as perfeições da vida é uma das grandes perfeições da vida. Assim como embaralhar aleatoriamente cartas bagunçadas.Isso tudo para dizer que tua perfeição (bem como teus defeitos) me seduzem ao passo que me repelem. Como uma vontade birrenta de desenhar um retrato só para jogar um balde de tinta por cima.Não entenda mal que isso nada tem a ver com morder e assoprar. Ou me oferecer sob máscara e figurino de uma personagem e esperar de volta tua mais funda verdade. Ou como selecionar uma a uma as palavras de minhas confissões e esperar ler-te num vômito de sinceridade.E já faz tempo os meus vômitos são provocados pelo dedo na garganta.E já faz tempo minhas dores são provocadas pelo dedo na ferida.E já desde não sei quando minha espontaneidade é premeditada.E já há muito minhas verdades comuns só vêm à tona quando ninguém me vê.A máscara grudou no meu rosto e parece não querer soltar.A pintura dos olhos – de riso ou de lágrima – parece permanente.A roupa ou a nudez são meticulosamente preparadas.E minha face mais real tem o olhar vazio nas noites de chuva.