quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A sutilidade do subentendido

Primeiro, nos arrancaram os sorrisos. Já eram sorrisos falsos, reflexos a anos-luz atrasados de tempos bonitos quando nós nem tínhamos as palavras prontas e os corações aquecidos. Depois, nos arrancaram a garganta. Ficamos mudos e, calados, passamos a falar só aquilo que nos era passado. Arrancaram pouco a pouco, que a gente nem sentia, tudo o que tínhamos de valioso. Amputaram nossas idéias, semearam ideais prontos. Nós já não ouvíamos mais nada além do que nos era imposto. Lá se foram os olhos, as memórias. Tudo se esvaía, desmanchava, só que ninguém parecia perceber a seriedade da coisa.
Não tardou a nos arrancarem a liberdade. E nem nos perguntaram se gostávamos da prisão, se nos sentíamos seguros nela. Mas era o que nos cabia: sentar e ver acontecer. Vez ou outra, para não entrarmos na monotonia, nos mostravam alguma coisa do mundo lá fora para que nós nos revoltássemos, levantássemos da poltrona velha e encardida e, inutilmente, tentavamos reagir. Enfim, sem voz, sem percepção, sem visão, sem nada, nos restava sonhar. Isso eles não conseguiram roubar, então sonhávamos quando tínhamos tempo. Mas à medida que os sonhos empoeiravam, os corações empedreciam. E éramos assim, só com vontade mesmo sem poder agir, mesmo sem poder ser. E ainda havia um pulso pulsando...
Foi quando uma nova ordem nos foi imposta, foi permitido falar. E finalmente tivemos o nosso momento de falar. Mas preferimos nos calar para sempre, como muita gente nesses tempos modernos de liberdade de expressão. Quando a expressão era proibida, todos a queriam, lutariam por ela, como antes já fizeram. Agora que se pode gritar o que não está certo, cada um reclama das futilidades, sentados confortavelmente nas suas poltronas, tomando chocolate quente, bebendo miséria. E a mesma prisão, agora mascarada, já não nos parece tão cruel.
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Feliz ano novo!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Espinhos de amor

De todo fiel meu sofrer será
por entre estradas descalças
como uma chuva corriqueira, escorrerá
desavisado, alimento de almas
dentre lábios e penhascos, desabará
vida pequena, desassosego matinal
desapego imparcial, sofreguidão
tormenta dividida, costume imoral
desatino, quanta instigação.
De todo ódio meu amor será
Hei de padecer até cansar
Pois todo esse suplício, dominará
antes de pesares, só me cabe abominar
tudo que me suga os desejos
e ainda assim me rouba os beijos
espirais, como sempre, sensacionais.
Se de amor e ódio nos nutrimos
de nada vale esse jardim florido
se friamente aparas os espinhos
do que eu já não quero esquecer.
De todo aversivo meu sentimento será
já que tantas vezes seu retrato
em minhas mãos se rasgará.
De você nada espero
como um rio segue o fluxo,
da minha corrente retiro seu elo.
Há de haver dor, contrapor
nem assim, longe, verás
todo esse ódio arruinador
que por tanto cultivei
a ponto de detestar meu grande amor.

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Feliz natal!Não espere de mim tudo de mais clichê que as pessoas desejam nessa epoca do ano. Se você for realmente importate pra mim, saiba que te desejo tudo isso em dobro e durante o ano inteiro.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Pseudo-conto

Sérgio nunca tivera muitos amigos. Desde que terminou o colégio suas amizades eram estritamente profissionais. Não que ele fosse excluído, as pessoas até o consideravam um bom sujeito, amigável, simpático, sempre pronto pra ajudar. Era sempre convidado para happy hours, festas da repartição e casamentos. Ele costumava ir, mas sempre ficava pouco tempo. Essa era a chave de sua solidão, se mantinha distante de qualquer tipo de confissão, conversa profunda ou qualquer assunto de âmbito pessoal. Durante as festas era como uma tartaruga, estava sempre com seu sorriso amigável saltando pelas frestas do casco bem duro. Na verdade, Sérgio era um sujeito miserável, impaciente e arrogante. Ele não se relacionava com ninguém porque não se interessava por aqueles assuntos fúteis que aflingiam seus colegas de trabalho. Mas embora sua arrogância fosse dominante, ele não conseguia ser rude. Mantinha sua soberba pra si mesmo, presa nos pensamentos. Priscilla, a secretária, sempre achara que aquele homem tinha algo de misterioso. Ele entrava e saia da repartição e ninguém sabia se ele era casado, se tinha filhos ou onde costumava passar as férias. Pra ela, ele não passava de um estranho conhecido. Uma dessas pessoas que te dão um sorriso no supermercado, que te comprimentam só porque te vêm todo dia mesmo sem te conhecer. Certo dia, ela o chamou em sua sala. Seu rosto avermelhado denunciava. De longe era possível ver a depressão estampada em seu rosto. Disse ter terminado com o namorado doze anos mais novo, ter perdido a liquidação de verão do shopping, além de não conseguir emagrecer e ter a pior vaga de estacionamento da repartição, dentre outras futilidades. Sérgio escutava as lamúrias da colega, a observava se diluir em lágrimas enquanto resmungava mentalmente e expressava piedade. Aquilo o chateou profundamente, mas embora sua insolência colocasse as asas de fora, ele procurava achar uma solução para o problema. Já estranhando sua compaixão momentânea, resolveu incentivar a secretária a cometer suicídio. Conhecia bem o fascista que rondava sua alma. Sem pensar, falou:

- Saiba que, se realmente quiser, você pode dar um fim em todo esse sofrimento.

Era tudo que Priscilla precisava ouvir naquele momento para finalmente tomar coragem. Agradeceu, levantou e passou pelo mais novo amigo como um furacão. Sérgio, já se sentindo o grande vilão da novela apreciava seu ato medíocre e ainda soltava uns risinhos na frente do computador. Passaram se os meses e a secretária continuava indo trabalhar normalmente, até um pouco mais magra diga-se de passagem. Com um semblante estranhamente feliz, resmungava. Num ato quase heróico, resolveu perguntar o rumo que as coisas haviam tomado.
Priscilla abriu um sorriso e lhe contou que naquele dia ele a encorajara a finalmente pedir o tão sonhado aumento, que lhe foi concedido devido sua competência. Nunca mais precisou depender de liquidações e deu entrada no financiamento de uma casa própria a duas quadras do trabalho. Morando mais perto da repartição, não precisava mais daquela vaga de estacionamento com um vazamento que incidia sobre seu carro e passou a ir andando para o serviço, o que lhe fez perder adoraveis sete quilos. Sérgio ria se contorcendo por dentro. Disse ainda que foi no caminho pro trabalho que esbarrara por acaso com o Ronaldo, por quem se apaixonou. À partir daquele dia, Priscilla ficou eternamente grata ao estranho que jurava ter mudado sua vida.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Dezoito anos

Olha essa face que deus lhe deu.
Olha bem os defeitos,
mas observe a juventude
que ainda lhe resta.

Guarda contigo essa imagem.
Guarda-te por inteiro para o destino.
Após percorrer teu caminho
Serás pele morta, miragem

Um dia lembrará
desse olhar saudável
que já não brilha mais.

Um dia saberá
que tudo acaba com o tempo,
um dia saberá usufruir
de toda essa raiva adolescente
que em ti, pulsa.

Quem sabe assim,
na aurora da vida,
fios brancos não teimem em crescer.

Dedica-te todos os poemas,
faça valer a pena,
bole milhares de planos,
enquanto observas atenta
esvarir-se o frescor de teus dezoito anos.

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Uma vez me disseram que a pessoa só percebe que está ficando velha quando o tempo passa e ela não percebe. Bobeiras à parte, o meu tempo vôa na velocidade de um SR-71 blackbird.
Vamos celebrar a velhice!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Menina mimada

Seu coração tentava caminhar sem dono, ainda se recuperando do último que o deixara em frangalhos. Só não sabia que pra andar era preciso haver chão sob seus pés. Areia movediça, gelo de lago, ou qualquer sustentação. Seus pés já não tocavam o mundo, as paredes já não eram mais paredes, seus sentidos já não mais sentiam. Amar um outro alguém seria divertido, mas não encontrava ar suficiente pra sequer arriscar. Prefiria o canto do quarto, atrás da porta do banheiro, os cômodos vulgares que não assustam nem a impediam de sofrer. Confundiam seu coração com uma janela e essa, quando aberta, era inevitável entrar e fazer um grande estrago por dentro. No fundo não passava de uma criança abandonada querendo gritar. E talvez ela fosse mesmo uma eterna criança, dessas que vagam como nômades entre os lares de quem lhe oferece carinho. Uma romântica irrecuperável que adiciona drama à simplicidade do dia-a-dia. Uma dessas menininhas que gritam por gritar, sofrem por sofrer. Ela gostava mesmo era de andar na corda bamba entre o circo e o abismo, de renovar desesperanças nas esquinas da vida. Sempre afastando qualquer intenção parecendo sofrer por algo maior. O que ninguém sabe é que seu ultimo caso amoroso não passava de um filho da sua imaginação, mais um amigo imaginário.

Brincadeira

Fui indiciada a participar dessa brincadeira entre blogueiros, até que é bem interessante:

Como o ano de 2008 está acabando, vamos fazer uma brincadeira. Regras:I. colocar uma foto individual nossa;II. escolher uma banda/artista;III. responder às questões somente com títulos de canções da banda/artista escolhido;IV. escolher ao menos 2 pessoas que respondam ao desafio, sem esquecer de avisá-los.

Bom..escolho a FIONA APPLE
Vamos as perguntas..

1- Es Homem ou Mulher?
Sullen girl

2- Se Descreva:
Slow like honey (hahaha)

3- O que as pessoas acham de vc?
Better version of me

4- Onde queria estar agora?
Across the universe

5- Uma frase:
River stay away from my door

6- Como é a sua vida?
Not about love

7- Namorando, Casado ou Solteiro?
Please send me someone to love

8- O que pedirias se tivesse só um desejo?
Extraordinary machine

Blogueiros:
- Flavi (eleanorrigby-flavis.blogspot.com)
- Isis (dolzita.blogspot.com)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

...

Tenho um segredo guardado no meu sorriso, mas todas as vezes que eu abro os lábios ele me escapa entre os dentes. Começa quase silencioso fugindo como um sussurro no canto da sala, mas vai tomando velocidade em desespero, como se temesse desaparecer ao amanhecer e debandando como uma fama repentina. E na janela há essa paisagem torta que não cabe no meu horizonte, e por ela, ele corre. Pelas casas da cidade caos ele adentra, nem tão puro assim, mas acaba contagiando tudo, o caderno, a caneta, o café e a velha caneca, o ambiente todo. Segredo imoral. Uma oportunidade para uma tragédia, uma deliciosa tragédia shakesperiana, regada à cinco ou seis doses de conhaque, a cinco ou seis reflexões sobre o que fazer com aquele caso passageiro, ou como montar um manual que ensinasse a abandonar aquele amor platônico em cinco, no máximo seis semanas. E algumas pessoas, egocêntricas como de costume, achavam que poderiam descortinar anos de segredo. Irônico. A transparência do enigma só existe ao meu ver. A efemeridade está no movimento dos lábios que abrigam um dilema, lento como mel. Se de mim roubarem esse mistério, com meu olhar felino caçarei pelo mundo dentro de ti até devolver brilho à flor que morre despedaçada dentro de mim. Pois de nada vale o segredo se compartilhado, de nada valem gestos se impuros, de nada vale o amor se platônico. Mas o amor mais bonito é o que menos certo dá. O amor mais único é justamente aquele que mata parte de si para sobreviver. Por agora, mato o orgulho que habita meu ser desvendando o segredo que me corrói e te dizendo sem rodeios: Te amo!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Metafísica

Palavras caem de mim como uma chuva sem fim, acariciando a pele, arrancando toda sanidade, me lavando a alma. Temporais de arrependimento, ondas de alegria me devoram por dentro. Seria o maior pecado da humanidade calar essa boca que transborda verdade. Nada faço pra cessar esse turbilhão descoordenado que me possui sem chance de resistência, algo superior que me foge o controle. Gotas tantas. Me afundo como um naúfrago à olhar o horizonte na procura do teu barco. Só quero saber quando a maré vai baixar, quando essa chuva vai passar ou quando você vem me resgatar. As pessoas e todo o resto podem esperar, mas enquanto o pensamento flui, um rio de palavras corre na minha direção. Turvo, turbulento, caudaloso. E as palavras não calam. Ainda hei de juntá-las num poema, assim despretensioso, já que de poeta nada tenho. Ainda hei de transformá-las num romance de final feliz. Mas por enquanto, me observe descarregar as mágoas, me deixe vomitar tudo isso que aflinge. Gotas tamanhas. E eu sou assim, não faço sentido nem quando falo algo sensato. Mas palavras não calam. Elas se escondem até a hora da explosão. Quero despir-me das palavras doces e transofrmá-las em verdade como mágica. E a minha insanidade ainda apertará os botões errados, dirá palavras sem verdade e fará sangrar-te sem piedade. O rio de palavras que outrora me afogava, me abandona seca, quase morta e com um quê de arrependimento estampado nos olhos.

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Quanto mais eu falo coisas sem sentido, mais falo de mim.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Sinfonia silenciosa

Por cada segundo que você me falta, eu morro. Penso morrer mais a cada segundo, mas por agora vou parar de sangrar por fora. A minha tristeza agora é silenciosa. Nada de gritos, telefonemas durante a madrugada, nada de choro no travesseiro no escuro da noite, as lágrimas agora correm pra dentro. Elas deslizam enquanto tento sorrir em alguma festa, quando perco meu olhar no vazio. As lágrimas me escorrem sob a pele, me inundam devagar. A minha tristeza agora é calada. Mora na insônia e no sono, de um lado ao outro deste corpo e desta alma que só sabe ser triste. Sigo te amando, entre todas as horas e por todas as estradas de pedra que tenho enfrentado com pés descalços e olhos marejados. Sigo te amando, como um poeta decadente em busca de si. Sigo te amando, e como eu gostaria que não fosse por tua causa essa dor e essa agonia, que fosse só meu este amor, que não fosse só minha, a empatia. O amor é, certamente, a doença terrível que há de me consumir até o fim, uma quimera invencível. Apodrecendo as entranhas, veneno que me inunda os poros, intensidade tamanha que ainda há de aniquilar tudo que de mim resta. A minha tristeza agora é muda. E eu sou um ser que anda de cabeca baixa pelas ruas sem destino certo, pensando errar na vida, quando na verdade ando pelo caminho correto, só um pouco torta. Sofro as coisas mundanas e penso que a vida é mesmo um rumo sem jeito que só se atravessa se alcoolizada. Pago pra ver o que nao quero só pra fingir não me importar, desespero anunciado. Agora entendo que só você é capaz de construir sonhos conjugados e recheá-los com palavras de confiança, te ter era um desejo secreto que eu nutria há anos mesmo sem nunca dizer-te na face.