quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Pra não dizer que não faço finais felizes..

Deitava na cama já meio entorpercido, sabia que não podia ingerir aquela quantidade de álcool sem reação do organismo. Se ao menos não tivesse misturado a vodka com energético conseguiria ter uma noite tranquila. E agora era o sono que não vinha. As paredes tinham aquele aspecto descascado e esverdeado de mofo, em alguns lugares até desenhadas, rabiscadas, sujas de diversos tipos de fluidos. Se concentrava apenas em dormir mas seus olhos teimavam em não fechar. Qualquer tom de vermelho perseguia a menina que habita seu olhar como um holofote dançando no céu. E que coreografia mais desagradável. Nem o incômodo abatia seu olhar determinado a permanecer vidrado. Ressecado, o olho não se movia. A palpebra pesava mas ele não tirava os olhos dela. Era pequena, frágil com olhar de abandonada e como era bonita dormindo. Não tinha aquela beleza clássica, mas era a pessoa mais humana que conhecera. Vai ver isso era sexy nela, tímida com seus cabelos castanhos até a cintura. Ali parecia que o mundo lá fora não importava, ela era dele como ele era dela. Bateram na porta três vezes. A sombra de alguém nas frestas atingiu o coração do Personagem como flechas sem pontas, e sentiu o sangue correr mais depressa para seu cérebro. Tentou levantar o braço que se apoiava na barriga dela, mas era pesado demais. A boca permanecia aberta, esperando o grito. A palavra, nesse segundo de adrenalina, sumira. Enterrara-se em alguma profundeza da alma do Personagem. No lugar, acariciava o ombro da menina como quem embala o sono. E ela era de toda sonhos, mágicos e com o nome dele. E essa era a assinatura, sempre depois de sonhos claros. Foi quando mesmo dormindo, ela resolveu aprisionar aquele sentimento pra sempre. E desde então eles continuam deitados, embevecidos de fantasia e crentes de que a vida não passara de um quarto mal cheiroso ao lado de quem se ama. Preferia sentir aquele coração pulsando em sua jugular.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Desamores

Eu me ofereço inteira
e você me nega os interiores
antes renascer rameira
a me abater pelas dores.
Eu me ofereço inteira
enquanto procura amores
ao longo da fileira
só lhe peço que decidas
em qual lado da trincheira
me trairá as escondidas.

Eu me ofereço inteira
Você se satisfaz com metade
Sempre rondando a beira
do sofrimento, desejos a parte.
Eu me ofereço inteira
de um lado a outro, opacidade
vidros quebrados nessa roseira
Pra disfarçar a mediocridade.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Sobre a guerreira

-Seu maior defeito e sua maior qualidade é tua intensidade - disse seu melhor amigo.
Como não conseguia escutar desaforos e ficar calada, respondeu com o cinismo dobrado. E quase ninguém sabia ser mais cínica que ela.

-Eu penso e faço, elas só pensam, não me recrimine, elas são iguais a mim, só que elas tem o que perder, eu não.
Ela nunca intendera o que estava escondido atrás daquelas palavras. De fato, Renata sabia ser intensa. Não era hipócrita, era só ela e só sabia ser assim. Uma menina com traços de idade que demonstravam que a vida não lhe havia suavizado os castigos. E as meninas da classe continuavam a zombar do seu modo desleixado de levar a vida, dos rompantes que tanto lhes invejavam.

-Babacas! -se defendia suavimente ainda que por dentro um conflito de sensações se formasse. Ela até queria ser aceita no grupo. Só não aceitava essa garota medíocre que ela se tornava quando tentava se encaixar nos padrões. Então resolvia errar por si mesma, assumir a culpa e colocar a cara a bater. Queria começar uma revolução em seu corpo e divulgar seus questionamentos sobre a sociedade à partir de si própria. Nunca intendera porque toda menina precisava brincar de boneca nem muito menos o porquê de todo esse puritanismo que lhe cercava. Era um tanto quanto política e contestadora, mas não se deixava intimidar pelas críticas e pré-julgamentos que sofria unicamente por possuir cabelos curtos e algumas tatuagens escondidas. Ela gostava mesmo das adversidades, do torto da vida, dos subníveis do impossível. Não sabia se adptar ao meio lunático que crescera, achava mesmo que a vida ia muito além de viagens internacionais e bolsas gucci. Jurava que podia abrir os olhos do mundo, mas o mundo não só a ignorava como revidava com força. Esse era o preço de ser sonhadora, de querer mudar as coisas. Renata, cuja vida doída não repelia ao contrário das princesas de vidro, das meninas tons pastéis, tinha personalidade que extrapolava seu comportamento ruidoso. Ela era um oceano turvo e profundo, mas que cativava pelo que era, assim, sincera.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Promessas

- O seu sorriso desafia as leis da física e nem só por isso eu gosto dele. Nem só de belezas é constituído o meu gosto, nem só de belos sorrisos sobrevive o meu amor. Sua alma transborda compaixão e tudo aquilo que te foge quando você fixa seu olhar de repovação em mim. Eu já devia ter desistido de tentar achar razões pro inexplicável e aceitar de vez que esse caso não tem solução. Eu gosto porque gosto. E cada pedaço do meu gostar é como um mendigo pedante, qualquer migalha de você me serve. Mas a natureza tem dessas coisas. Silencia e renasce após as esperanças morrerem, cala antes da avalanche. E há tanto esse silêncio me devora a sanidade, prefiro a desordem ou qualquer manifestação de dor a esse vazio que me mastiga como um monstro faminto. Só sei que por todas as horas que você me ignora, por todas as noites que silencioso você me foge, uma raiva incontrolável me toma. Que a tempestade de tormentos tome conta de mim a ponto de me arrepender, mas não consigo continuar a viver num lar onde o amor foi deposto, cassado e exposto à mediocridade de uma vida de rotinas. Quando os ventos amenizarem, espero com saudade, lembrar dos dias em que juntos somamos sabedoria e estreitamos caminhos. Adeus.

Esse foi o discurso que Luiza nunca tivera coragem de ler, e até hoje esta guardado na gaveta do criado mudo. Uma decisão de transformação que não passou de um papel amarelado em baixo das contas do mês. Vai ver é mais simples resistir na falta de romantismo num casamento monótono e seguir a vida só existindo, sem viver de verdade. Acreditava que valia a pena abrir mão de sonhos e realizações pessoais em prol de um casamento de fachadas, sempre se preocupando no que os outros iam pensar. Ela achava que tinha, sem perceber, transferido todo amor que sentia pelo marido para os filhos e netos. A partir daí mimava-os indiscutivelmente.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Caminho do abismo

É por você, toda essa inquietação que me sufoca. Antes esse caso inacabado, a caso algum. Antes um amor idealizado, a toda essa agonia que me toma. Ultimamente só tenho amado você, nem essa pobre existência que me cobre faz sentido. E de sentido vive o soldado. É quando todas aquelas canções de amor começam a fazer sentido. Vai ver esse caso é mesmo uma sinfonía, dessas que precisam ser tocadas até o final. Perfume que me inebria num envolto radioso de sensações, cheiro que paira pelo ar por esses dias que tua ausência se faz presente. O nosso amor é a fúria dos elementos naturais, explosão por estilhaços, é tormenta desatada. É por você, toda essa desordem que me sufoca. E quando a ferida vai parar de sangrar? É de mau entendidos que nossa realidade se reinventa, é com erros que o destino brinca com nossas almas. Assim você se deita sobre minhas memórias, modesto como de costume, me descortinando as dores. A garrafa de vinho ainda esquecida no canto da cozinha, aquela flor amassada dentro do livro, a toalha pendurada no varal, tudo isso que compõe um mosáico de você em mim. Eu já não sei mais viver sem você aqui. Me falta suas pernas entrelaçadas por baixo do edredom, me falta tua respiração na nuca, o calor do teu abraço. E desde já não sei mais dormir. Digo adeus a cansativa mesmice dos mortais. Sou livre, não sofro mais. E por mais que eu já conheça a estrada do 'eu te amo', vez ou outra ela me leva a caminho do abismo.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Antes do amanhecer



Chegara atrasada ao ensaio como sempre, mas o ritmo lhe roubava os sentidos, ela era só olhos e ouvidos, dança e coração para a música, para a coreografia. Um mosaico de cores quentes enfeitava sua saia de tecidos muitos, rodada e viva. Seus pés pisavam com determinação cada ponto do solo. A sapatilha ecoava no piso de madeira, a gravidade oscilava, ora permitindo o vôo da dançarina, ora obrigando-a a descer, aterrissar do êxtase. Ela era feita de musica como os relógios eram feitos de hora, uma simetria irritantemente perfeita. Ela gostava mesmo era de ver o mundo de cabeça para baixo, os músculos tensos, as pernas, como hélices, girando no ar. E era aquela garotinha graciosa que hipnotizava um par de olhos no canto da platéia vazia. Pele, cabelos e traços se combinavam melodiosamente numa única pessoa, que balançava o corpo deixando-se guiar pela emoção. Ele assistiu toda a apresentação e aplaudiu quando chegou o final. Observou-a com cuidado, até se aproximar e tocar seu cotovelo, mantendo apenas uma distância mínima educada. Ela olhou, e tremeu. Acontecia, então, o encontro da borboleta com o dia, depois de cansada do casulo. O peito arfava, o coração palpitava em todo o corpo, como se todo este fosse só um músculo cardíaco. O menino relaxou, a dançarina relaxou e os rostos ficaram corados. O menino guiava a bailarina com fidelidade pelas cores e pelas ladeiras que riam seus risos mais sinceros. Caminhavam de mãos dadas desapegados da hora e trocavam histórias, até o pôr-do-sol. À medida que o dia se dissolvia, eles apressavam o passo em direção ao futuro. Corriam como crianças, irradiavam alegrias infantis. Amantes dóceis, tímidos. Pelas praias, faróis e mercados, os quatro pés pisavam com pressa e força a terra. As mãos não se desgrudavam, e os olhos não se detinham parados no objetivo, encontrando-se e esquecendo-se da corrida. A madrugada já ia alta quando resolveram descansar e soltar as mãos. A surpresa foi ao perceberem que não mais poderiam se separar. As mãos antes unidas haviam virado uma só, manchada e irregular, separando o pulso de um do pulso do outro. Eles se olharam com cuidado, dessa vez mais fundo, ali descansando, parados, um de frente para o outro. Na euforia do amor instantâneo, ambos haviam se esquecido de como o dia começara e de como levavam suas vidas. Agora, misturados demais para que pudessem se distinguir, os dois fitavam o céu, que demorava cada vez mais para mudar de cor e voltar a clarear.Não existia mais paixão nem juventude. A madrugada se estendera por uma eternidade forçada, enquanto, parados, a Princesa e o Guerreiro contemplavam os sonhos além do horizonte assustador. Envergonhada ela só queria achar um caminho seguro pra casa ou simplesmente acordar daquele sonho mágico que já deveria ter acabado. E, assim, os raios solares acabaram com qualquer vestígio de paixões, a única que lhe restava era a paixão pelos saltos e as piruetas mas essa estava gravada sob a pele pra sempre.