quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A sutilidade do subentendido

Primeiro, nos arrancaram os sorrisos. Já eram sorrisos falsos, reflexos a anos-luz atrasados de tempos bonitos quando nós nem tínhamos as palavras prontas e os corações aquecidos. Depois, nos arrancaram a garganta. Ficamos mudos e, calados, passamos a falar só aquilo que nos era passado. Arrancaram pouco a pouco, que a gente nem sentia, tudo o que tínhamos de valioso. Amputaram nossas idéias, semearam ideais prontos. Nós já não ouvíamos mais nada além do que nos era imposto. Lá se foram os olhos, as memórias. Tudo se esvaía, desmanchava, só que ninguém parecia perceber a seriedade da coisa.
Não tardou a nos arrancarem a liberdade. E nem nos perguntaram se gostávamos da prisão, se nos sentíamos seguros nela. Mas era o que nos cabia: sentar e ver acontecer. Vez ou outra, para não entrarmos na monotonia, nos mostravam alguma coisa do mundo lá fora para que nós nos revoltássemos, levantássemos da poltrona velha e encardida e, inutilmente, tentavamos reagir. Enfim, sem voz, sem percepção, sem visão, sem nada, nos restava sonhar. Isso eles não conseguiram roubar, então sonhávamos quando tínhamos tempo. Mas à medida que os sonhos empoeiravam, os corações empedreciam. E éramos assim, só com vontade mesmo sem poder agir, mesmo sem poder ser. E ainda havia um pulso pulsando...
Foi quando uma nova ordem nos foi imposta, foi permitido falar. E finalmente tivemos o nosso momento de falar. Mas preferimos nos calar para sempre, como muita gente nesses tempos modernos de liberdade de expressão. Quando a expressão era proibida, todos a queriam, lutariam por ela, como antes já fizeram. Agora que se pode gritar o que não está certo, cada um reclama das futilidades, sentados confortavelmente nas suas poltronas, tomando chocolate quente, bebendo miséria. E a mesma prisão, agora mascarada, já não nos parece tão cruel.
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Feliz ano novo!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Espinhos de amor

De todo fiel meu sofrer será
por entre estradas descalças
como uma chuva corriqueira, escorrerá
desavisado, alimento de almas
dentre lábios e penhascos, desabará
vida pequena, desassosego matinal
desapego imparcial, sofreguidão
tormenta dividida, costume imoral
desatino, quanta instigação.
De todo ódio meu amor será
Hei de padecer até cansar
Pois todo esse suplício, dominará
antes de pesares, só me cabe abominar
tudo que me suga os desejos
e ainda assim me rouba os beijos
espirais, como sempre, sensacionais.
Se de amor e ódio nos nutrimos
de nada vale esse jardim florido
se friamente aparas os espinhos
do que eu já não quero esquecer.
De todo aversivo meu sentimento será
já que tantas vezes seu retrato
em minhas mãos se rasgará.
De você nada espero
como um rio segue o fluxo,
da minha corrente retiro seu elo.
Há de haver dor, contrapor
nem assim, longe, verás
todo esse ódio arruinador
que por tanto cultivei
a ponto de detestar meu grande amor.

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Feliz natal!Não espere de mim tudo de mais clichê que as pessoas desejam nessa epoca do ano. Se você for realmente importate pra mim, saiba que te desejo tudo isso em dobro e durante o ano inteiro.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Pseudo-conto

Sérgio nunca tivera muitos amigos. Desde que terminou o colégio suas amizades eram estritamente profissionais. Não que ele fosse excluído, as pessoas até o consideravam um bom sujeito, amigável, simpático, sempre pronto pra ajudar. Era sempre convidado para happy hours, festas da repartição e casamentos. Ele costumava ir, mas sempre ficava pouco tempo. Essa era a chave de sua solidão, se mantinha distante de qualquer tipo de confissão, conversa profunda ou qualquer assunto de âmbito pessoal. Durante as festas era como uma tartaruga, estava sempre com seu sorriso amigável saltando pelas frestas do casco bem duro. Na verdade, Sérgio era um sujeito miserável, impaciente e arrogante. Ele não se relacionava com ninguém porque não se interessava por aqueles assuntos fúteis que aflingiam seus colegas de trabalho. Mas embora sua arrogância fosse dominante, ele não conseguia ser rude. Mantinha sua soberba pra si mesmo, presa nos pensamentos. Priscilla, a secretária, sempre achara que aquele homem tinha algo de misterioso. Ele entrava e saia da repartição e ninguém sabia se ele era casado, se tinha filhos ou onde costumava passar as férias. Pra ela, ele não passava de um estranho conhecido. Uma dessas pessoas que te dão um sorriso no supermercado, que te comprimentam só porque te vêm todo dia mesmo sem te conhecer. Certo dia, ela o chamou em sua sala. Seu rosto avermelhado denunciava. De longe era possível ver a depressão estampada em seu rosto. Disse ter terminado com o namorado doze anos mais novo, ter perdido a liquidação de verão do shopping, além de não conseguir emagrecer e ter a pior vaga de estacionamento da repartição, dentre outras futilidades. Sérgio escutava as lamúrias da colega, a observava se diluir em lágrimas enquanto resmungava mentalmente e expressava piedade. Aquilo o chateou profundamente, mas embora sua insolência colocasse as asas de fora, ele procurava achar uma solução para o problema. Já estranhando sua compaixão momentânea, resolveu incentivar a secretária a cometer suicídio. Conhecia bem o fascista que rondava sua alma. Sem pensar, falou:

- Saiba que, se realmente quiser, você pode dar um fim em todo esse sofrimento.

Era tudo que Priscilla precisava ouvir naquele momento para finalmente tomar coragem. Agradeceu, levantou e passou pelo mais novo amigo como um furacão. Sérgio, já se sentindo o grande vilão da novela apreciava seu ato medíocre e ainda soltava uns risinhos na frente do computador. Passaram se os meses e a secretária continuava indo trabalhar normalmente, até um pouco mais magra diga-se de passagem. Com um semblante estranhamente feliz, resmungava. Num ato quase heróico, resolveu perguntar o rumo que as coisas haviam tomado.
Priscilla abriu um sorriso e lhe contou que naquele dia ele a encorajara a finalmente pedir o tão sonhado aumento, que lhe foi concedido devido sua competência. Nunca mais precisou depender de liquidações e deu entrada no financiamento de uma casa própria a duas quadras do trabalho. Morando mais perto da repartição, não precisava mais daquela vaga de estacionamento com um vazamento que incidia sobre seu carro e passou a ir andando para o serviço, o que lhe fez perder adoraveis sete quilos. Sérgio ria se contorcendo por dentro. Disse ainda que foi no caminho pro trabalho que esbarrara por acaso com o Ronaldo, por quem se apaixonou. À partir daquele dia, Priscilla ficou eternamente grata ao estranho que jurava ter mudado sua vida.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Dezoito anos

Olha essa face que deus lhe deu.
Olha bem os defeitos,
mas observe a juventude
que ainda lhe resta.

Guarda contigo essa imagem.
Guarda-te por inteiro para o destino.
Após percorrer teu caminho
Serás pele morta, miragem

Um dia lembrará
desse olhar saudável
que já não brilha mais.

Um dia saberá
que tudo acaba com o tempo,
um dia saberá usufruir
de toda essa raiva adolescente
que em ti, pulsa.

Quem sabe assim,
na aurora da vida,
fios brancos não teimem em crescer.

Dedica-te todos os poemas,
faça valer a pena,
bole milhares de planos,
enquanto observas atenta
esvarir-se o frescor de teus dezoito anos.

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Uma vez me disseram que a pessoa só percebe que está ficando velha quando o tempo passa e ela não percebe. Bobeiras à parte, o meu tempo vôa na velocidade de um SR-71 blackbird.
Vamos celebrar a velhice!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Menina mimada

Seu coração tentava caminhar sem dono, ainda se recuperando do último que o deixara em frangalhos. Só não sabia que pra andar era preciso haver chão sob seus pés. Areia movediça, gelo de lago, ou qualquer sustentação. Seus pés já não tocavam o mundo, as paredes já não eram mais paredes, seus sentidos já não mais sentiam. Amar um outro alguém seria divertido, mas não encontrava ar suficiente pra sequer arriscar. Prefiria o canto do quarto, atrás da porta do banheiro, os cômodos vulgares que não assustam nem a impediam de sofrer. Confundiam seu coração com uma janela e essa, quando aberta, era inevitável entrar e fazer um grande estrago por dentro. No fundo não passava de uma criança abandonada querendo gritar. E talvez ela fosse mesmo uma eterna criança, dessas que vagam como nômades entre os lares de quem lhe oferece carinho. Uma romântica irrecuperável que adiciona drama à simplicidade do dia-a-dia. Uma dessas menininhas que gritam por gritar, sofrem por sofrer. Ela gostava mesmo era de andar na corda bamba entre o circo e o abismo, de renovar desesperanças nas esquinas da vida. Sempre afastando qualquer intenção parecendo sofrer por algo maior. O que ninguém sabe é que seu ultimo caso amoroso não passava de um filho da sua imaginação, mais um amigo imaginário.

Brincadeira

Fui indiciada a participar dessa brincadeira entre blogueiros, até que é bem interessante:

Como o ano de 2008 está acabando, vamos fazer uma brincadeira. Regras:I. colocar uma foto individual nossa;II. escolher uma banda/artista;III. responder às questões somente com títulos de canções da banda/artista escolhido;IV. escolher ao menos 2 pessoas que respondam ao desafio, sem esquecer de avisá-los.

Bom..escolho a FIONA APPLE
Vamos as perguntas..

1- Es Homem ou Mulher?
Sullen girl

2- Se Descreva:
Slow like honey (hahaha)

3- O que as pessoas acham de vc?
Better version of me

4- Onde queria estar agora?
Across the universe

5- Uma frase:
River stay away from my door

6- Como é a sua vida?
Not about love

7- Namorando, Casado ou Solteiro?
Please send me someone to love

8- O que pedirias se tivesse só um desejo?
Extraordinary machine

Blogueiros:
- Flavi (eleanorrigby-flavis.blogspot.com)
- Isis (dolzita.blogspot.com)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

...

Tenho um segredo guardado no meu sorriso, mas todas as vezes que eu abro os lábios ele me escapa entre os dentes. Começa quase silencioso fugindo como um sussurro no canto da sala, mas vai tomando velocidade em desespero, como se temesse desaparecer ao amanhecer e debandando como uma fama repentina. E na janela há essa paisagem torta que não cabe no meu horizonte, e por ela, ele corre. Pelas casas da cidade caos ele adentra, nem tão puro assim, mas acaba contagiando tudo, o caderno, a caneta, o café e a velha caneca, o ambiente todo. Segredo imoral. Uma oportunidade para uma tragédia, uma deliciosa tragédia shakesperiana, regada à cinco ou seis doses de conhaque, a cinco ou seis reflexões sobre o que fazer com aquele caso passageiro, ou como montar um manual que ensinasse a abandonar aquele amor platônico em cinco, no máximo seis semanas. E algumas pessoas, egocêntricas como de costume, achavam que poderiam descortinar anos de segredo. Irônico. A transparência do enigma só existe ao meu ver. A efemeridade está no movimento dos lábios que abrigam um dilema, lento como mel. Se de mim roubarem esse mistério, com meu olhar felino caçarei pelo mundo dentro de ti até devolver brilho à flor que morre despedaçada dentro de mim. Pois de nada vale o segredo se compartilhado, de nada valem gestos se impuros, de nada vale o amor se platônico. Mas o amor mais bonito é o que menos certo dá. O amor mais único é justamente aquele que mata parte de si para sobreviver. Por agora, mato o orgulho que habita meu ser desvendando o segredo que me corrói e te dizendo sem rodeios: Te amo!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Metafísica

Palavras caem de mim como uma chuva sem fim, acariciando a pele, arrancando toda sanidade, me lavando a alma. Temporais de arrependimento, ondas de alegria me devoram por dentro. Seria o maior pecado da humanidade calar essa boca que transborda verdade. Nada faço pra cessar esse turbilhão descoordenado que me possui sem chance de resistência, algo superior que me foge o controle. Gotas tantas. Me afundo como um naúfrago à olhar o horizonte na procura do teu barco. Só quero saber quando a maré vai baixar, quando essa chuva vai passar ou quando você vem me resgatar. As pessoas e todo o resto podem esperar, mas enquanto o pensamento flui, um rio de palavras corre na minha direção. Turvo, turbulento, caudaloso. E as palavras não calam. Ainda hei de juntá-las num poema, assim despretensioso, já que de poeta nada tenho. Ainda hei de transformá-las num romance de final feliz. Mas por enquanto, me observe descarregar as mágoas, me deixe vomitar tudo isso que aflinge. Gotas tamanhas. E eu sou assim, não faço sentido nem quando falo algo sensato. Mas palavras não calam. Elas se escondem até a hora da explosão. Quero despir-me das palavras doces e transofrmá-las em verdade como mágica. E a minha insanidade ainda apertará os botões errados, dirá palavras sem verdade e fará sangrar-te sem piedade. O rio de palavras que outrora me afogava, me abandona seca, quase morta e com um quê de arrependimento estampado nos olhos.

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Quanto mais eu falo coisas sem sentido, mais falo de mim.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Sinfonia silenciosa

Por cada segundo que você me falta, eu morro. Penso morrer mais a cada segundo, mas por agora vou parar de sangrar por fora. A minha tristeza agora é silenciosa. Nada de gritos, telefonemas durante a madrugada, nada de choro no travesseiro no escuro da noite, as lágrimas agora correm pra dentro. Elas deslizam enquanto tento sorrir em alguma festa, quando perco meu olhar no vazio. As lágrimas me escorrem sob a pele, me inundam devagar. A minha tristeza agora é calada. Mora na insônia e no sono, de um lado ao outro deste corpo e desta alma que só sabe ser triste. Sigo te amando, entre todas as horas e por todas as estradas de pedra que tenho enfrentado com pés descalços e olhos marejados. Sigo te amando, como um poeta decadente em busca de si. Sigo te amando, e como eu gostaria que não fosse por tua causa essa dor e essa agonia, que fosse só meu este amor, que não fosse só minha, a empatia. O amor é, certamente, a doença terrível que há de me consumir até o fim, uma quimera invencível. Apodrecendo as entranhas, veneno que me inunda os poros, intensidade tamanha que ainda há de aniquilar tudo que de mim resta. A minha tristeza agora é muda. E eu sou um ser que anda de cabeca baixa pelas ruas sem destino certo, pensando errar na vida, quando na verdade ando pelo caminho correto, só um pouco torta. Sofro as coisas mundanas e penso que a vida é mesmo um rumo sem jeito que só se atravessa se alcoolizada. Pago pra ver o que nao quero só pra fingir não me importar, desespero anunciado. Agora entendo que só você é capaz de construir sonhos conjugados e recheá-los com palavras de confiança, te ter era um desejo secreto que eu nutria há anos mesmo sem nunca dizer-te na face.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Entre quatro palavras

Queria amar, embora amassasse a folha num surto impetuoso de vergonha, ainda quase-boba, recostada sem pressa no banco da praça, olhava as flores, e retomaria a escrita sem desistir, pois só lhe cabiam poemas. Enfiara-se nos sebos da cidade atrás do livro perfeito, um livro só dela. Aquele de capa azul e de beijo de língua quando dado. Um livro com um tesão guardado na página dezessete, um livro com amor calado, num quarto vazio, num vazio capixaba, para servir de inspiração na falta de amor de verdade. Era um amor demasiadamente idealizado diga-se de passagem. Mas convenhamos, o melhor que já leu(ou sentiu, como quiser). A folha do caderno já amassada e marcada de inúmeras tentativas gritava por um começo, apenas um verso. Quem sabe com um verso tudo fluísse, quem sabe com um começo, o final se formasse. Tinha em seu currículo poemas sobre guerras e palhaços, folhas e amassos, todos sempre na terceira pessoa. Já havia escrito, inclusive, um poema sobre o não-amor. Escrevia melhor quando não tinha regras, quando cuspia nas normas, quando parecia brigar com o mundo. Cruel era o destino que não permitia à poetiza amar. Pensava ser uma espécie de fraude literária, afinal que poetiza meia-tigela ela se tornara a ponto de não amar? Não era possível, nem fingir sentir algo a pobre menina conseguia, escrava da própria inexperiência, inocente como ela só. Um suspiro, um começo. Os versos não eram bons, mas eram suficientes. Ficou feliz por ter começado mas sem saber continuar, estatificada. Olhava o papel já meio pintado de grafite com olhar de vazio. A essa altura já pensava em desistir, largar esse tal de amor pra lá. Foi quando uma bala de revólver, um ímpeto silencioso atinge o peito que tentava sentir. Seu corpo baratinava sem saber que tipo de veneno o atingira, que espécie de vilão se vingara. O corpo caído no chão. E o sangue quente e espesso que lhe escorria por debaixo da nuca. Seus olhos estavam abertos, ainda. A pulsação ainda se sentia. Fraca, cada vez mais fraca, mas batia ainda o suficiente para que conseguisse sentir. Sua vontade de viver transbordava pelo canto do olho esquerdo mesmo sem haver ninguém por perto para entender o que aquela alma clamava. As memórias escorriam-lhe pela testa. Ali jaz a poetiza que morrera sem conhecer o amor, privada de romance, em abstinência do primordial dos sentimentos. Na verdade, finalmente entendera o amor. Pois não se escapa do amor, pois o amor mata e morre impiedosamente, e a neutralidade do amor tortura aos poucos. Ali, tentando rimar num banco de praça perdera uma vida de amor, o amor pela vida, um amor de vida. Acabado o assalto na drogaria, o policial já não se impressionava com mais um corpo estendido no chão. Só lamentava a idade da garotinha e se arrepiava ao pensar que ali poderia estar sua menininha. Pegou o caderno manchado de vermelho-sangue e leu tudo que Eliza deixara de herança em voz alta no meio da praça:

Pode amor
só de amor
se construir?
se manter?
se consumir?
Pó de amor,
que se dissolve no vento

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Entre ele e ela

5:45, ria o despertador com escárnio. Olhava o relógio fixamente na esperança de ter tocado na hora errada.É, não aconteceu. Como fermento de bolo ela se levantava a caminho da cozinha. Ainda meio tonta tentava lembrar as fórmulas de calculo enquanto mastigava o pão frio.Não acreditava que tivera a semana pra estudar e a poucas horas da prova nao lembrava de absolutamente nada. É Flávia, você está se tornando mais irresponsável ao passar dos anos, resmungava ela mentalmente. Voltava para o quarto rastejando pela casa em seu calvário matinal. O celular começou a tocar sem cessar. Pensou em nem atender, afinal quem ligaria a essa hora da manhã. Mas sua curiosidade atendeu. Fez questão de fingir voz de sono. Não acreditava que era o marcelo. Só de ouvir esse nome seu corpo tremia. Logo ele ligando a essa hora?Considerando que faziam bem uns três meses que eles não se falavam, era bem possível que algo bem grave tivesse ocorrido.Respirou fundo e retomou a conversa.O tom de voz estava estranho, palavras se misturavam e ele com uma inexplicável vontade súbita e urgente de conversar. Só pode estar bêbado, pensou. E assim combinaram, em 5 minutos na esquina da princesa isabel com nossa senhora de copacabana. Seus pensamentos estavam em alta velocidade num mix de entusiasmo e curiosidade. Colocou a primeira camiseta que puxou do armário junto com a primeira calça que encontrou. Calçou o chinelo e ficou pronta em aproximados dois minutos, o que pra ela era quase um récorde mundial. Desceu as escadas correndo tentando não pensar. Sempre que pensava demais tendia não agir. De longe avistou aquele que torcia para esquecer enquanto olhares tímidos se cruzavam envergonhados. Quando passavam muito tempo sem se ver o ambiente ficava com um clima estranho, tenso. Beijou-o na bochecha mesmo mirando a boca, escutava mesmo sem haver som algum. Num vômito de verdades, ele começava a dizer o que ficara entalado. Agora estava certa de que tinha algo errado.Ele nunca fora de demonstrar sentimentos, nunca falava o que queria sem rodeios, simplesmente deixava a mensagem subentendida. Numa espécie de lavanderia cobrava dela um posicionamento, uma opnião, ou qualquer coisa que transformasse aquele monólogo em conversa. A verdade é que perto dele, seu olhar se perdia, lhe fugiam as palavras e nem mesmo se tivesse ensaiado conseguiria falar o que o coração mandava. Ele despejava as verdades sem piedade, sem se importar com as consequências. Seus olhos eram sempre uma dica do que acontecia por dentro, ja que dificilmente ele falava o que queria, mas naquele dia seu olhar estava distante. De fato a vodka tinha embaralhado as palavras, mas cada vírgula que saia pela boca precisava do incentivo do álcool para sair. Eram mais verdades do que ele poderia suportar sóbrio, era muita intensidade. Ficaram quase uma hora discutindo o porquê do afastamento. Lamentavam o rumo das coisas, mesmo lamentando baixinho. Falou do quanto se importava com ela, de que ele queria mais do que só um caso esquecido. Foi quando ele a puxou pelo braço, algo rápido e sem chances de escape. Beijou-a como quem se despede, lento e profundo. Tudo aquilo que ela sentia cheirava a naftalina e ela queria enterrar de vez, mesmo querendo longe. Sempre fora um fracasso em evita-lo, ainda mais assim, tão apaixonadamente bêbado.E assim despediu-se e pegou um táxi pra faculdade já ciente que repitiria em cálculo. A porta do carro fechou separando tudo que reinava onipotente entre ele e ela, sem passagem de volta. Passaram se as semanas, os meses e nenhum telefonema. Se perguntava porque ele a procurara, certa de que aquilo não passara de um passeio no passado, um sonho relembrado. Não foi por falta de tentar, quer dizer, até foi. Mas ela simplesmente não tinha capacidade, nem maturidade suficiente para agir de outra forma, seu orgulho era maior. O problema era que ele tinha tanta certeza quanto ela que aquilo não ia levar a lugar algum, aquilo não foi feito pra levar a lugar algum. Eram apenas duas pessoas machucadas tentando suprir uma carência que deveriam superar sozinhos. Quando lembro deles só penso no casal que podia ser e não foi, o casal cujo orgulho era maior que o amor que sentiam, o casal que sentia, mesmo sentindo separado.

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Baseado em fatos reais - sempre quis dizer isso hahahah

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Mirante

Hoje vi um mundo cheio de sorrisos sem graça. Vi uns dias cheios de luta e conquista.Vi pessoas, vi poemas, vi compassos, eu vi o céu róseo e azul, meio amarelado. Vi também o tempo correr, sonhos infantis, dias frescos e primaveris.Vi conversa fiada, filosofia barata, cerveja gelada.Vi risos e abraços, amigos e afagos.Vi chuvas fortes e rápidas de verão, vi o caos disfarçado, vi rosas em plutão.Observei a saudade, fruta cítrica, insanidade, musica suave e essa minha vontade. Vi a raiva contida, menina metida, antiga cantiga.Não digo que gostei do que vi, mas eu vi a verdade, manhã de domingo, orgulho escancarado, pássaro assustado, respingo de felicidade.Noite imensa, praia deserta, noite intensa.Vi a sociedade imoral, criança leviana, vida virtual, ferida externa, mendigo com grana, carro de bacana. Vi o céu infinito, vi a rosa, vi o cravo, vi o grito, vi o abismo, vi o rsico, vi joelho dolorido.Vi corações partidos, encontro de amantes, mentira ao pé do ouvido, vi lágrimas, vi dor, bolso em vestido. Vi o mar azul escuro quase preto, vi a luz do luar, estrelas pelo chão.Vi neve natalina, fim de filme, risos contidos, festa de formatura, resmungos de Carolina. Vi anjos, vi demônios, vi o diabo vestir prada. Vi o mundo desabar, navio quebrado, vela queimar, castelo abandonado, guerra começar..quando eu só queria te ter numa noite quente de ar pesado, em que o sol se faz presente, à penumbra prateada da lua cortante.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Thank you for the venom

The pain is here to last,
The pain that I'll feel til' my dying day,
The one that's sick and pale,
The pain that scratches me out,
The pain that kills inside,
The pain that makes me beg for more,
The sweet little pain that reminds me of you,
This fucking pain that cannot get out of my soul,
The one I wish I could hold,
This strange profusion of feelings coming out of my head,
massive,
indiscribable,
invisible,
inconsequential,
undistinguished,
unwise,
uncharted,
unpleasant,
undue,
unequal,
unconditional,
unpardonable,
unfailing,
The taste of anger run through my veins,
Guiding my blood pressure,
Transforming my life into misery.
You told me it would happen,
But, as usual, I couldn't believe you
And you showed me an upper view for the same pain,
An angle that I couldn't see by myself,
Thank you for the venom!

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Acontece que eu tenho mania de pensar em ingles.. escrito em algum dia de 2003
Quem quiser, me pede a tradução depois

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Meticulosamente Bagunçado

Teu gosto sequer é inteiro. Até por isso, uma parte justo da minha curiosidade pelas coisas inacabadas. E não-inteiro que eu digo se assemelha mais a um quebra-cabeças bagunçado do que a um copo se enchendo.Mas na minha ilusão, eu certamente não teria a intenção de arrumar as peças, embora talvez ficasse tentada a encher o copo até a boca só para esvaziá-lo num só trago.Mas eu não quero.O meu prazer está antes em afundar minhas mãos lascivas nas suas peças embaralhadas só pela sensação do toque – como mergulhar a mesma mão num saco de sementes.E se fosse um copo eu venceria meus ímpetos: sugaria um pequeno gole para cuspir de volta em seu rosto bonito. Porque bagunçar as perfeições da vida é uma das grandes perfeições da vida. Assim como embaralhar aleatoriamente cartas bagunçadas.Isso tudo para dizer que tua perfeição (bem como teus defeitos) me seduzem ao passo que me repelem. Como uma vontade birrenta de desenhar um retrato só para jogar um balde de tinta por cima.Não entenda mal que isso nada tem a ver com morder e assoprar. Ou me oferecer sob máscara e figurino de uma personagem e esperar de volta tua mais funda verdade. Ou como selecionar uma a uma as palavras de minhas confissões e esperar ler-te num vômito de sinceridade.E já faz tempo os meus vômitos são provocados pelo dedo na garganta.E já faz tempo minhas dores são provocadas pelo dedo na ferida.E já desde não sei quando minha espontaneidade é premeditada.E já há muito minhas verdades comuns só vêm à tona quando ninguém me vê.A máscara grudou no meu rosto e parece não querer soltar.A pintura dos olhos – de riso ou de lágrima – parece permanente.A roupa ou a nudez são meticulosamente preparadas.E minha face mais real tem o olhar vazio nas noites de chuva.