quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Pseudo-conto

Sérgio nunca tivera muitos amigos. Desde que terminou o colégio suas amizades eram estritamente profissionais. Não que ele fosse excluído, as pessoas até o consideravam um bom sujeito, amigável, simpático, sempre pronto pra ajudar. Era sempre convidado para happy hours, festas da repartição e casamentos. Ele costumava ir, mas sempre ficava pouco tempo. Essa era a chave de sua solidão, se mantinha distante de qualquer tipo de confissão, conversa profunda ou qualquer assunto de âmbito pessoal. Durante as festas era como uma tartaruga, estava sempre com seu sorriso amigável saltando pelas frestas do casco bem duro. Na verdade, Sérgio era um sujeito miserável, impaciente e arrogante. Ele não se relacionava com ninguém porque não se interessava por aqueles assuntos fúteis que aflingiam seus colegas de trabalho. Mas embora sua arrogância fosse dominante, ele não conseguia ser rude. Mantinha sua soberba pra si mesmo, presa nos pensamentos. Priscilla, a secretária, sempre achara que aquele homem tinha algo de misterioso. Ele entrava e saia da repartição e ninguém sabia se ele era casado, se tinha filhos ou onde costumava passar as férias. Pra ela, ele não passava de um estranho conhecido. Uma dessas pessoas que te dão um sorriso no supermercado, que te comprimentam só porque te vêm todo dia mesmo sem te conhecer. Certo dia, ela o chamou em sua sala. Seu rosto avermelhado denunciava. De longe era possível ver a depressão estampada em seu rosto. Disse ter terminado com o namorado doze anos mais novo, ter perdido a liquidação de verão do shopping, além de não conseguir emagrecer e ter a pior vaga de estacionamento da repartição, dentre outras futilidades. Sérgio escutava as lamúrias da colega, a observava se diluir em lágrimas enquanto resmungava mentalmente e expressava piedade. Aquilo o chateou profundamente, mas embora sua insolência colocasse as asas de fora, ele procurava achar uma solução para o problema. Já estranhando sua compaixão momentânea, resolveu incentivar a secretária a cometer suicídio. Conhecia bem o fascista que rondava sua alma. Sem pensar, falou:

- Saiba que, se realmente quiser, você pode dar um fim em todo esse sofrimento.

Era tudo que Priscilla precisava ouvir naquele momento para finalmente tomar coragem. Agradeceu, levantou e passou pelo mais novo amigo como um furacão. Sérgio, já se sentindo o grande vilão da novela apreciava seu ato medíocre e ainda soltava uns risinhos na frente do computador. Passaram se os meses e a secretária continuava indo trabalhar normalmente, até um pouco mais magra diga-se de passagem. Com um semblante estranhamente feliz, resmungava. Num ato quase heróico, resolveu perguntar o rumo que as coisas haviam tomado.
Priscilla abriu um sorriso e lhe contou que naquele dia ele a encorajara a finalmente pedir o tão sonhado aumento, que lhe foi concedido devido sua competência. Nunca mais precisou depender de liquidações e deu entrada no financiamento de uma casa própria a duas quadras do trabalho. Morando mais perto da repartição, não precisava mais daquela vaga de estacionamento com um vazamento que incidia sobre seu carro e passou a ir andando para o serviço, o que lhe fez perder adoraveis sete quilos. Sérgio ria se contorcendo por dentro. Disse ainda que foi no caminho pro trabalho que esbarrara por acaso com o Ronaldo, por quem se apaixonou. À partir daquele dia, Priscilla ficou eternamente grata ao estranho que jurava ter mudado sua vida.