terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Antes do amanhecer



Chegara atrasada ao ensaio como sempre, mas o ritmo lhe roubava os sentidos, ela era só olhos e ouvidos, dança e coração para a música, para a coreografia. Um mosaico de cores quentes enfeitava sua saia de tecidos muitos, rodada e viva. Seus pés pisavam com determinação cada ponto do solo. A sapatilha ecoava no piso de madeira, a gravidade oscilava, ora permitindo o vôo da dançarina, ora obrigando-a a descer, aterrissar do êxtase. Ela era feita de musica como os relógios eram feitos de hora, uma simetria irritantemente perfeita. Ela gostava mesmo era de ver o mundo de cabeça para baixo, os músculos tensos, as pernas, como hélices, girando no ar. E era aquela garotinha graciosa que hipnotizava um par de olhos no canto da platéia vazia. Pele, cabelos e traços se combinavam melodiosamente numa única pessoa, que balançava o corpo deixando-se guiar pela emoção. Ele assistiu toda a apresentação e aplaudiu quando chegou o final. Observou-a com cuidado, até se aproximar e tocar seu cotovelo, mantendo apenas uma distância mínima educada. Ela olhou, e tremeu. Acontecia, então, o encontro da borboleta com o dia, depois de cansada do casulo. O peito arfava, o coração palpitava em todo o corpo, como se todo este fosse só um músculo cardíaco. O menino relaxou, a dançarina relaxou e os rostos ficaram corados. O menino guiava a bailarina com fidelidade pelas cores e pelas ladeiras que riam seus risos mais sinceros. Caminhavam de mãos dadas desapegados da hora e trocavam histórias, até o pôr-do-sol. À medida que o dia se dissolvia, eles apressavam o passo em direção ao futuro. Corriam como crianças, irradiavam alegrias infantis. Amantes dóceis, tímidos. Pelas praias, faróis e mercados, os quatro pés pisavam com pressa e força a terra. As mãos não se desgrudavam, e os olhos não se detinham parados no objetivo, encontrando-se e esquecendo-se da corrida. A madrugada já ia alta quando resolveram descansar e soltar as mãos. A surpresa foi ao perceberem que não mais poderiam se separar. As mãos antes unidas haviam virado uma só, manchada e irregular, separando o pulso de um do pulso do outro. Eles se olharam com cuidado, dessa vez mais fundo, ali descansando, parados, um de frente para o outro. Na euforia do amor instantâneo, ambos haviam se esquecido de como o dia começara e de como levavam suas vidas. Agora, misturados demais para que pudessem se distinguir, os dois fitavam o céu, que demorava cada vez mais para mudar de cor e voltar a clarear.Não existia mais paixão nem juventude. A madrugada se estendera por uma eternidade forçada, enquanto, parados, a Princesa e o Guerreiro contemplavam os sonhos além do horizonte assustador. Envergonhada ela só queria achar um caminho seguro pra casa ou simplesmente acordar daquele sonho mágico que já deveria ter acabado. E, assim, os raios solares acabaram com qualquer vestígio de paixões, a única que lhe restava era a paixão pelos saltos e as piruetas mas essa estava gravada sob a pele pra sempre.

3 comentários:

Deftones disse...

É fácil perder-se e entregar-se a um amor repentino... e é doloroso tentar eternizar momentos que, pela natureza própria, são totalmente contra qualquer pretensão de eternidade... a historieta lembrou que, por triste que seja, uma paixão deve terminar tão meteoricamente quanto começou.

Naty disse...

Em uma palavra... Lindo!!!
^^

Naty disse...

Tem convidei para um brincadeira lá no meu blog.

=p