segunda-feira, 8 de junho de 2009

Psicanálise

- Eu bem que tentei. Tomei veneno, caminhei bêbada sobre a beirada do terraço de um prédio de trinta andares, deitei-me sobre pregos, comi pão mofado, engasguei com jujubas açucaradas. Tentei ser o pior que pude, mas minha vida sempre foi razoavelmente boa. Nunca vivi um amor proibido e avassalador, nunca passei uma noite na cadeia e mesmo fumando dez cigarros por dia há quinze anos, não estou nem perto de conseguir um tumor. Foram tantas tentativas de vicios, mas jogatina e drogas pesadas nunca foram o meu forte. Depois de alguns meses o máximo que consegui foi uma ida ao hospital por intoxicacao depois de fumar maconha estragada. E não pensem que apareci no hospital caminhando tranqüila pela porta da frente não. Estava curtindo a minha inanição na paz do meu cômodo mal cheiroso quando dois enfermeiros mal encarados vieram me salvar da minha mediocridade a caminho do hospital. Familiares dispostos a me manter sã bancavam aquela palhaçada. Sempre dei o azar de não dar azar, e meus anos sempre correram conspirando com minha sorte, mesmo nos momentos em que eu insistia em fazer tudo errado as coisas sempre acabaram bem para mim. Aliás, já começaram bem: nasci em família abonada, fui criança de passaporte e cursos de natação, inglês, ballet e teatro... enfim, qualquer um daria tudo para viver como eu sempre vivi. Enquanto eu daria tudo para ser como qualquer um. Tentei ser pobre, mas até sendo pobre eu ganhava dinheiro nas esmolas e crescia na vida; tentei ser bandida, mas a polícia nunca me pegava, eu sempre consegui escapar da lei; tentei ser boêmia e passar o resto dos meus anos me auto-destruindo e fazendo arte, mas minha arte era demasiado boa e então os museus me adotaram como a “nova arte em persona”, o que não me permitiu o sonho de morrer cedo e no anonimato. Mudei de cidade e emprego tantas vezes que perdi a conta. Passei por cada sufoco, mas no final, me dei bem em todos. Por último, fingi sofrer uma forte depressão, e passei dois meses sem tomar banho ou sol, comer direito e falar com alguém. Mas cansei de bajulações e de um dia pro outro me curei.
-Lamento senhorita Stenhagem, mas devo informá-la que seu problema trata-se de felicidade crônica.

2 comentários:

Naty disse...

Ela tinha a pior das invejas, que é a inveja de si mesma. É quando a pessoa pensa: "Nossa! Eu estou tão bem, pq eu não faço alguma coisa para me ferrar só um pouquinho". Na maioria das vezes as pessoas conseguem com maestria, mas sua personagem não teve grande enfase.
Parabéns pelo texto!

=D

Anjuh disse...

passei a tarde lendo muitas coisas,mas somente seu texto foi de alguma valai para mim,naum sei se tenhuh essa atração rotineira por coisas fora desse cotidiano logico,mas amei,me surpreendi e amei demais seu texto...
Very nice .....

Abraços!